Escutando a música “o outro lado da lei”, da Dama do Bling, enquanto fazia as minhas obrigações laborais, quase derramava mil e uma lágrimas de emoção ao ouvir a história que retrata a realidade concreta de um polícia por estas ruas e esquinas que como teia se configuram no vasto Moçambique. A única coisa que me inibiu de chorar foi o facto de precisar desempenhar o meu papel social como adulto e como homem. Primeiro, como bem sabem, a nossa sociedade é adulto centrista e, por isso, não aceita com que uma pessoa adulta chore. Porque chorar é sinal de fraqueza e imaturidade. Por outro lado, não me foi aceite que chorasse ao escutar esta música, pois aos olhos da sociedade o homem deve ser corajoso e saber segurar as suas próprias lágrimas. Somente as mulheres e acrianças é que lhes é aceite chorar. Alias, mesmo as crianças do sexo masculino é parcialmente aceite que estas chorem, pois, é desde pequeno que se aprende a ser homem. Entretanto, há que perceber que o retrato do polícia que nos é trazido nesta música é de uma pessoa esforçada, dedicada ao trabalho, marido, pai de três filhos, e ainda pela discrição tem uma casa própria recheada de mobília (o que de certa forma contrasta com a realidade dos nossos policias, pois muitos destes alugam) e com cerca de vinte anos de trabalho. No entanto, na experiencia deste ofício, o policia em causa nunca sentiu o reconhecimento do seu trabalho por parte da sociedade, das noites de chuva longe da família e de outros problemas relativos a este serviço. Relata também, o facto de algumas vezes ter sido alvo de calúnia, desrespeito, ingratidão e de sofrer acusações de roubar as pessoas. Todavia, nunca ninguém o elogiou pelo belíssimo trabalho que já fez, pelo facto de ter prendido bandidos e marginais e por garantir a paz aos cidadãos. Nunca ninguém o perguntou como é que estaria ou como é que tem passado, se tinha o filho doente e dinheiro para leva-lo ao hospital. No final da música, a cantora nos faz subentender que o tal polícia é uma espécie de vidente pois prevê a sua própria morte, o que faz com que escreve uma carta se dirigindo à sua família com uma mensagem reclamando todas estas questões que são arroladas para o público no geral. Todavia, estes são outros contornos que não vamos seguir por razões que são explicadas no último parágrafo deste texto.
Na verdade, é uma reflexão interessante que é levantada nesta música e não encontro resposta para tais questões. Mas uma coisa é certa: A profissão em si é paradoxalmente complicada. Hora vamos observar este trabalho é imperado por um código de conduta muito forte que a princípio não permite um contacto simples entre o polícia e o cidadão comum. A propósito nesta questão, me lembro a quando dos jogos africanos de 2011, realizados em Maputo, quando avistei um ex-colega que agora se tornou policia. Me aproximei deste, visivelmente emocionado, querendo o congratular pela posição nobre que tomou de se tornar polícia. Gritei o seu nome “…… comé pá”, e ele também respondeu “….. meu brada”, me dirigi como nos velhos tempos para lhe dar aquelas palmadas nas costas como mandam os códigos das masculinidade. “hei, hei, hei ”- me deu um chega para lá. De princípio não entendi o significado da repulsa. Entretanto, quando viu o espanto em mim, retorquiu cordialmente no meu ouvido “este trabalho não permite que me toques, se não os meus chefes me vêem”. Foi daí que percebi que não deve haver intimidades entre um polícia e um cidadão comum.Agora entre nós, com estes exemplos que nos mostram claramente que o policia é investido de uma entidade que lhe desassocia do cidadão comum, como é que o mesmo aparece se ressentindo do afastamento com o resto da sociedade? Não quero comentar acerca da performance dos polícias nas nossas ruas, mas este polícia que nos é apresentado parece uma utopia, daquelas situações que apenas se assistem nos filmes e na música como este exemplo concreto. Na verdade, há muita coisa que poderia escrever acerca desta música e do policia em causa, mas sei que os meus leitores são pessoas atarefadas como eu, por isso, não lhes vou encher de mais palavras. Cada um de nos vai continuar com a sua reflexão pessoal e tomar as conclusões que achar pertinente. Contudo, uma coisa é certa, a Dama do Bling é uma cantora inusitada, que sabe ler a realidade social e a transforma numa música cheia de mensagem e que leva a nossa sociedade a uma reflexão positiva sobre o dia-a-dia dos actores que interagem na mesma sociedade.
Voltando a questão central. Acho que a música traz consigo muitos pontos de reflexão sobre o papel do polícia na nossa sociedade; o reconhecimento ou falta deste que lhe é atribuído pela mesma sociedade; das situações adversas em que passa no meio da noite e, o facto de caminhar cerca de dez horas no asfalto sem repouso; o salário magro que recebe, que nem chega para as necessidades básicas. Em suma, nos leva a reflectir sobre o seu papel como homem comum que interage com outras pessoas.
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