quinta-feira, 10 de julho de 2014

As Baladas no quarto entre Papá e Mamã antes eu nascer

Meu pai voltava a noitinha enquanto minha mãe dormia. Abria a porta do quarto devagar para ela não ouvir os passos que de mansinho deslizavam sobre o chão azulejado da casa. Desviava do berço que os dois haviam comprado para mim quando viesse ao mundo. Chegado à cama, sem acordar a minha mãe, a beijava o lábio inferior da boca junto da bochecha e depois apalpava a sua barriga e eu dava uns giros nesse momento. Depois dos chutes, ela acordava e com a certeza de que era o meu pai que havia chegado ela respondia aos beijos loucos de papá. Quando ela sorria, eu conseguia ver o seu coração a brilhar de luz. Uma substância estranha criava-se dentro da bolsa onde eu estava envolvido. Era um líquido esbranquiçado, viscoso e bastante fino. Entrava pelo tecido umbilical e eu sentia uma energia extasiada no meu corpo que fazia com que desse mais giros. Ai, mamã chamava papá para sentir o meu chute. Ele encostava a cabeça com cuidado para não me sufocar de tanta felicidade que nutria. Nesse momento, um sorriso esplêndido vestia o rosto da minha mãe que se encontrava desajeitada com tanto carrinho.
Lembro que outro dia, num final de semana meus pais decidiram fazer um jantar a luz de velas no quarto. Parece que o destino jogava ao seu favor, naquele final de semana. A energia da zona havia sido apagada. Magaiver que meu pai era, fez as suas engenharias de velas, pondo-as ao alto do candeeiro pendurado no centro do quarto. Ai os dois dançaram ao som de fado e de outras músicas estranhas como japonesas e chinesas. Não entendia nada do que se cantava. Contudo dava para perceber que eram cantigas que entoavam os sentimentos mais nobres que vivem no coração das pessoas. Horas e horas passavam, agarrados em torno de um e de outro papai e mamãe dançavam. Por conta dos efeitos da barriga da minha mãe, os seus pés trémulos começavam a doer. Era o peso da minha cabeça que tornava um encargo ao corpo da mãezinha. Aí ela pedia uma pausa. Meu pai compreensível aceitava logo de primeira e a carregava para a cama onde faziam amor até o sol florescer.
O tempo passou, a barriga cresceu mais e eu nasci. Nunca vi o rosto do meu pai. Desde pequeno me contavam que papai viajou para a terra do nunca. Na verdade jamais percebi patavina porque ele não retornava.
Chegou o tempo da escola. Aprendi a ler as letras e o ambiente. A curiosidade que em mim vivia fez com que um dia me interessasse pela agenda grande e cromada da minha mãe. Comecei a ver fotos de papá e mamã. Logo, lembrei daquele rosto que me tocava quando estava dentro do ventre da mamã. Uma confusão em mim se cria. Não sei se aquilo foi um sonho ou foi real. Mas senti como se tivesse acontecido ontem. Até hoje as pessoas discutem comigo. Dizem que um rebento não é capaz de conservar tamanhas memórias. Mas eu as tenho gravado em mim.
A curiosidade me avassalou. Mergulhei fundo nas entrelinhas. Foi ai que li que meu pai morreu exactamente no dia em que nasci. Ele era guarda nocturno, havia abandonado o seu posto só para me sentir no seu caloroso colo. Mas não conseguiu chegar a tempo. Os donos da noite, os abutres da podridão o abordaram. Queriam dinheiro. Como ele não tinha, o tiraram a própria vida. Separando-nos antes de nos conhecermos fisicamente.
Quando durmo a noite, as vezes um homem vem visitar- me vestido de branco. Não consigo ver o seu rosto. Quero acreditar que seja meu pai que vem do céu me visitar.

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