Na verdade, é uma experiência nunca antes vivida. Um estranho sentimento,
porém especial. Há dias, aguardava a vinda de uma criança de sexo desconhecido.
Eu e a mãe decidimos não fazer a ecografia para saber o sexo da petiza de modo
a que fosse uma surpresa para o casal. A história toda começa na sexta-feira
quando na noite daquele dia e na madrugada do sábado a mãe acorda meio com
dores e alarmada com os apertos. Era o primeiro aviso que nos era dado para
preparar a casa e abrir as portas de modo a permitir a entrada de mais uma
membra (assim é que é, apesar de o corretor dizer que o género deste
substantivo deve ser no masculino) no seio da família. Correrias de um lado
para o outro. Eu, preocupado em procurar um meio de transporte que nos levasse
até ao hospital. Eis que a surpresa roça os meus ouvidos:
- Não quero nenhum carro, irei a pé.
Era a voz da futura mãe que manifestava um dos desejos mais esquisitos para
um pai de primeira viagem. Apesar de achar que ela devia ir de carro, tive que
aceitar um dos maiores anseios que ela tinha antes do parto. Ao contrário, como
se tem dito: quando se contraria uma mulher gravida, o filho nasce com a cara
do artigo negado. E, neste sentido a criança poderia nascer com a cara de uma
estrada ou de um carro. Imagina o chicorocoro (carro defeituoso) do meu amigo
Beltrano. Não sei como ia lidar caso isso acontecesse. Em fim, lá se foi. A mãe
teve que ficar no hospital e nos foi dito para aguardar em casa e qualquer mudança,
iríamos receber via telefone. Este caso me deixou intrigado, pois, não haviam
ficado com o contacto de nenhuma das pessoas de casa. Mas também, não tínhamos
como lembrar por conta da euforia que nos havia escalado as cabeças como areia
movediça do deserto que tampa a vista dos seus viajantes.
A tarde de domingo chegou. A noite passou e, a gente, impaciente aguardou.
A preocupação que vestia o meu rosto deixou transparecer o rio de lágrimas de
emoção que em meus olhos se criava. De modo a me acalmar, a minha irmã Nelinha
veio ter comigo.
- Não te preocupes mano, ela vai dar parto. Não passa de hoje- referiu.
De modo a me mostrar firme, respondi
-Não muito preocupado. Sei que tudo vai dar certo, também, sei que ela é
bastante forte- me referindo a mãe da Criança.
A manhã do dia seguinte chegou. Por isso, tratando-se de uma segunda-feira
a obrigação laboral chamou mais alto e me aprontei de modo a ir trabalhar
depois de ter falado com ela (a mãe do bebé) e ter recebido a notícia de que
nada de especial aconteceu, fora a longa espera da vinda da criança que impacientemente
era aguardada. Mais logo, fui ao hospital visitar a futura mãezinha e me dirigi
posteriormente à escola. Juro que tentei fazer algum esforço de modo a ver se
alguma matéria entrava. Nada daquilo que os professores despejavam entrava na
minha cabeça repleta de preocupação.
Sai da escola e dirigi-me à casa. Nem quis jantar, a fadiga havia
avassalado o meu corpo. Portanto, depois do banho fui logo à cama receber o
carrinho da Go (minha gata) que em mim grudou como se tratasse de um ritual.
Acredita-se socialmente que quando o gato ou a gata fica perto de ti num
momento de doença ou de vida ou morte é sinal positivo, de que tudo vai dar
certo. Dai, meu coração sossegou um pouco. Fechei os olhos na tentativa de
apanhar algum sono. Tolo desejo, pois os olhos e a mente não aceitavam o meu
comando. Fora isso, passei toda a noite a urinar, talvez tenha sido por conta
da ansiedade que me havia abocanhado.
Peguei no telefone. Liguei para a querida Martinha.
-Ola mãe, como estas?-perguntei.
-Queres o que afinal?- respondeu, duma forma estranha, pois ela nunca me
havia tratado daquela maneira- ya, yo, ai-continuo.
Meu coração nesse momento gelou. Não sabia o que fazer. Estava bastante
preocupado. “Só pode ter começado o trabalho de parto.”- Cogitei. Aguardei um
pouco mais, foi quando recebi o seu sinal ao telefone. Atendi
- Pai reze por mim, faça uma oração forte por nós os dois. Ouviu?
-Sim, mãe.- Responde instintivamente.
Fiquei mais preocupado ainda com aquela situação. Liguei para ela de novo.
Foram choros e choros. O trabalho de parto é um dos trabalhos mais pesados
(passe a redundância necessária). Consegui sentir em mim que ela havia esgotado
os limites da dor que um ser humano pode aguentar. Senti-me atado. Nada podia
fazer, fora dar- lhe forças ao telefone. O problema se agravava porque de um
hospital público se tratava e as parturientes deste lugar andam a dar voltas
sem dar a mínima para as mães gravidas que como cobras sucumbiam e deslizavam
as suas barrigas em meio a uma chama florestal que faz com que o solo aquece.
Ela, por sua vez, tentava entrar em baixo da cama para ver se fugia da dor. Mas
nada. A dor estava com ela. Na sua barriga. As enfermeiras vieram a arrastaram
dali (segundo contou em outros momentos). Enquanto acontecia tudo isso com, eu
estava ali presente, dando algumas dicas de modo a aliviar a sua dor.
- Mãe crie forças, agarre em qualquer coisa e faça força. Eu sei que você é
forte- tentava desesperadamente elevar o seu ânimo que ia desfalecendo- Pense
que essa dor vai passar e, a gente vai rir deste momento. Acredita no seu Deus,
o qual saias todos os dias de casa para o glorificar. Ele não pode deixar-te
neste momento importante, no qual precisas dele- continuava com as minhas
dicas, que nem sei de onde partiam.
O crédito acabou. Já eram duas e tal. Não havia mais como falar com ela.
Por isso, fui pegar numa das fichas da escola para poder ler e aliviar a dor
enquanto recebia as caricias da minha gatinha. Folheei numa página, mais uma
página. Enquanto isso, por outro lado, a ansiedade aprofundava-se mais em mim e
incapaz de a ouvir sucumbia. Eis que trinta a quarenta minutos passaram. Recebo
um telefonema da mãe da minha primeira sorte:
- Já nasceu, é menina.
Saltei de ânimo. Não me contive. Logo naquele momento, avisei as pessoas de
casa. Recebi os parabéns do meu pai e as bênçãos da minha mãe. Tratei logo de
mandar uma mensagem para o resto dos meus familiares e amigos mais próximos.
Digo, literalmente todos, apesar de que as mensagens acabaram sem atingir os
outros.
Amanheceu. A visita só podia ser as doze. Portanto, mais uma vez teria que
ir trabalhar. Mas também devia ver uma estratégia de pedir a minha licença de
paternidade a partir da próxima semana de modo a ganhar mais tempo com as
minhas meninas. Saído do trabalho, eis que o meu coração batia mais alto ainda.
Chegava o momento de me rever na criança que teria chegado. Dirigi-me ao
hospital com o coração na mão. Uma sensação estranha. Era o meu “de já vu”.
Parece que havia sonhado o cenário que iria vivenciar dali a alguns minutos.
Pisei o solo do hospital. O coração bombeou mais ainda. Parecia que queria
sair-me pelo peito e fugir entre as estradas da terra das acácias. Me conteve.
Não podia desmaiar antes de ver a minha filha. Que palavra estranha para mim.
Nunca me havia imaginado a monologar dessa forma. Deixei de pensar e viajar em
torno de mim. Saltei para a realidade. Entrei no hospital.
A mãe sentada na cama, virada para o lado direito ao contrário da porta que
usara para entrar. Dai, não ouviu os passos desregrados dos pés desfalecidos de
emoção que em mim era contida. Surpreende-a com um beijo.
-parabéns- Felicitou-me
Dei-lhe um aperto profundo, mas com cuidado para não quebrar as costelas
que empenharam tanta força para repelir o rebento da barriga da mãe. Toquei no
bebé. Li no seu pulso o nome do registo da mãe. Enquanto tocava na sua pele
macia cheia de pelo, a mãe deixa a língua abocanhar o ar do hospital dizendo:
- Pesa três quilos. A médica que me atendeu diz que tenho uma criança
saudável.
Concordei. Eramos a família mais abençoada do mundo. Queria assim
acreditar. Então, me deu vontade de pedir pegar a criança. Levei-a ao colo.
Senti uma coisa estranha. Parecia que uma parte de mim estava naquele corpo.
Nunca havia sido pai, mas o sentimento que me havia avassalado era tão especial
e vinha para fazer parte de mim e nunca mais sair. Dai aprendi uma coisa “uma
vez pai, pai para sempre”
O resto da história pertence a mim, a mãe e ao bebé que ainda não tem nome.
Quanto a vocês, paramos por aqui.
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