segunda-feira, 29 de maio de 2017

CARTA PARA PATRÃO

Bom dia patrão, escrevo esta carta para justificar o meu atraso nesta manhã. Para começar, o senhor sempre soube que não sou de chegar tarde ao serviço, muito menos faltar. Contudo, faz hoje dez anos e vinte e oito dias que acordo as cinco da manhã, luto com chapas, apertos, engarrafamentos para fazer aquilo que se diz dignificar o homem “trabalhar”. As vezes molho com chuva, nos dias em que troveja esquivo dos relâmpagos e dos amigos do alheio que se armam para tirar qualquer coisa do inocente, até o bem mais precioso que é a vida. 
Patrão, vai desculpar as voltas que tento dar apenas para te falar o que me fez atrasar no dia de hoje. Mas o senhor sabe que a um ano que tenho uma filha, no entanto, tenho tido pouco tempo para com ela estar. Como bem falei madrugo para chegar ao serviço, e daqui saio directo para a escola na perspectiva de proporcionar um futuro melhor à minha família. Portanto, esta situação não me dá tempo para gozar da minha paternidade e dar um pouco de luz à vida da minha filha. Mesmo nos finais de semana, tenho feito biscates na zona para ver se pago a escola e suprir algumas necessidades          que a minha filha        tem. 
O senhor mais que ninguém sabe quais são as minhas limitações, já tive vários encontros com o senhor para discutir a minha situação salarial, mas isso em nada resultou. O dinheiro que ganho neste trabalho apenas serve para o chapa (transporte semicolectivo de passageiro), um saco de arroz e um saco de carvão. O resto dos dias faço desarascanso para não faltar as coisas básicas na minha     casa.
Patrão, na verdade esta não devia ser uma carta de revindicações, mas somente hoje tive a coragem de te escrever, aproveitando a deixa deste meu atraso. Sem rodeios patrão, o que me fez atrasar pela primeira vez neste meu trabalho que já lá vão dez anos, foram os olhos inocentes da minha filha. É que quando ia sair de casa, ela me olhou profundamente e começou a chorar. Era como se ela lamentasse os dias em que faltei para ela, era como se reivindicasse os mimos que não tenho dado por     causa do tempo deste meu     aperto. 
 Meu patrão, no primeiro momento tentei resistir ao choro e comer a longa estrada. Mas quando me estendeu a mão, chorando incessantemente, meu coração frágil de pai não aguentou e logo voltei aos seus braços. Foram horas e horas de serviço passados em casa, sei que posso ter errado em proceder desta forma, mas o senhor também é pai e sabe bem o que estou a falar. 
Patrão, escrevo esta carta na perspectivava do senhor entender a minha situação. Sou apenas um pai aflito em tornar a filha feliz. Portanto, não desconte este dia no salário porque se isso acontecer, não terei como pagar o saco de arroz que faz a minha filhinha bonita saltitar de energia deste meu suor de pai.