quarta-feira, 28 de maio de 2014

Será que um homem pode achar outro homem bonito?

Sei desde já que a questão acima apresentada vai chocar muitas pessoas, sobretudo os homens. Posso avançar ainda que não é fácil para os próprios homens serem confrontados com este tipo de questões. Me apoio de modo a assim afirmar a partir de um confronto, se posso assim chamar, que tive com outro grupo de homens nessas minhas andanças no exercício do meu activismo.
A coisa começou quase do nada. Não lembro de quem tenha partido. Mas antes disso, estava a falar-se de futebol. Quase todas as pessoas que inundavam o ginásio eram apreciadoras daquilo que alguns apelidam de “desporto rei” o que para mim não cola. Neste ponto eu ia lis perguntar qual é o “desporto rainha” e porquê. Eu por exemplo, não gosto de futebol. Mas em contrapartida ninguém pode tirar-me a paixão que tenho pelo Caraté. Acho esta arte participativa e acessível a toda gente. Agora, o futebol apenas mostra pessoas a esbanjarem dinheiro e a violentarem-se durante os jogos. Sei que estou a sair do ponto essencial da questão que foi colocada. Me perdoem por isso. Essa coisa de escrever por vezes toma o rumo que quer como se fosse o percurso das nossas próprias vidas.
Avançando, ia dizendo que de repente, um tipo cheio de músculo abocanhou a palavra e monopolizou o debate- “eu sou bonito, até existem muitas mulheres que não chegam na minha beleza”. Um silêncio profundo. O barulho dos ferros e das máquinas rouba o cenário. Ninguém contradiz. Não sei si foi pelo medo dos músculos ou muitos dos homens que ali pululavam consentiam com a afirmação. Entretanto, eu sendo menos desinibido e pelo facto de ter aprendido um pouco sobre liberdade de expressão, quis entender a fundo esse fenómeno. Lancei a questão, arrancando o protagonismo do outro tipo que falava e desviando o rumo do papo: “alo pessoal, tenho uma questão. Será que acham normal um homem achar um outro homem bonito?”. O silêncio agudizou-se. Vi olhos de rapina contemplados naquelas insolentes criaturas. A sala vestiu-se de um véu preto sobre os meus olhos. Parecia que todos queriam evitar-me. Quase que em consonância se uniram sobre aquilo que consideravam um pecado capital, a traição de judas. Podia ler nos seus rostos algo que dizia: “como é possível este tipo questionar-nos dessa forma! Esse espécime é um desvio!” Me senti sozinho, meti-me num enxame e agora estava a sentir as ferroadas daquelas abelhas armadas em machos.
“Esse homem que acha outro homem bonito só pode levar. É
assim como tudo começa. Hoje ele se acha bonito, amanhã põe base nas unhas, depois são saias e por fim inclina”- desabafava um tipo escuro cheio de músculos, mas que parecia ter uma cabeça oca. Muitos outros o apoiaram. Parecia um casamento cortejado de lamúria. Um zanzar de um lado para o outro. Ninguém queria por em questão a sua masculinidade. Entretanto, a reflexão continuou até o momento em que me despedi. Acredito que a observação não ficou por ali, se estendeu pelas suas casas como tudo e qualquer coisa que é novo nas nossas vidas, que meche com as nossas estruturas.
Agora ca comigo reflito: será que era preciso aquele alarido todo por causa de uma questão bastante simples? Opa simples por dizer. Por vezes esqueço-me de que nem todos homens tiveram a oportunidade de ter este tipo de reflexões e a possibilidade de ver a importância de abordar e desconstruir algumas normas de género vigentes na nossa sociedade, mas que concorrem para a violência contra as mulheres, a opressão as liberdades individuais, tudo por conta de preconceitos e estereótipos que manietam e comandam as pessoas.
Por fim, posso dizer que particularmente não gosto de rotular as pessoas e classifica-las de belas ou feias. Para mim, as pessoas são do jeito que são e que deviam ser, diferentes umas das outras. Umas têm expressão facial forte e outras menos. Entretanto, a meu ver todas são belas, pois, o que conta são as acções, as actitudes. O recipiente não conta bastante, oque torna a pessoa especial e diferente, são as suas relações de respeito com os outros, o comportamento e a palavra que usa no dia-a-dia de modo a se expressar. Para mim, sim essas qualidades são as que tornam a pessoa especial.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

As peripécias do Mercado Xiquelene



O dia nasce acompanhando o Mercado. Um vaivém de pessoas. Aqui a luz brota tarde. Os comerciantes mais adiantados que o próprio dia arrumam as suas bancas para conquistar a clientela madrugadora. As mamanas, de um lado esforçam as suas cordas vocais entoando canções de esperança e sacrifício chamando a sua freguesia. Tem um outro que talheia a carne comendo um pão e badjia que chamam as moscas. Cego de ver, ele junta o seu matabicho com a petiscada da mosca. Aqui as pessoas não ficam doentes. Mesmo mijando naquele poste de aço e betão que acabou cedendo aos ácidos mais destruidores que derivam do corpo humano, vulgo xixi.
Tem outro tipo que canta como se fosse um sapo tentando acasalar a sua amada “ A murhi wa makondlo hi lohu” (O veneno de rato está aqui.) -vai cantando. Vão desculpar-me pela tradução. Sou uma das últimas pessoas que menos pode se indicar para fazer uma tradução deste tipo de escritos. Não fui ensinado na escola, tive que fazer os meus apanhados. Lá dentro, nas entranhas do mercado encontras de tudo, desde xicalamidade (roupa usada) até ao remedio tradicional como vula vatleca que outrora era usado nos torneiros de futebol da zona. Há quem diga que dava efeito na hora do jogo. Cá comigo não sei, tenho minhas dúvidas.
O barrulho nestas bandas do mercado é intenso. Tem que se estar preparado para qualquer eventualidade. De repente, ouve-se alguém a chorar “me roubaram dinheiro ”-grita uma das senhoras. Uma multidão se concentra para averiguar o que aconteceu e por outra obter alguma coisa para contar lá na povoação de origem. Um jovem é pego “hi yena lwei” acusa uma voz comparada a de um Perú. Pontapeadas, sovadas, chineladas, até makofadas servem para drenar a fúria e não ter vendido nada abaixo de sol para o outro vir roubar a custo zero. “Yowe, yowe” Chora um acusado que pode ser inocente. Basta usar uma roupa não organizada para vestir o rótulo de um ladrão. Nesse instante, chega a polícia. Alastra o homem para uma esquina atrás das bancas de pau, é subornada, por fim o homem é solto e desaparece como a fumaça inimiga do vento. A polícia a solta como cães rafeiros continua a farejar encrencas para ver se apanha um osso de cada dia.
A noite chega. A luz despede-se. O mercado veste-se de uma nova cortina humana repleta de sangue novo. As recentes profissões começam a ganhar espaço. No lugar das verduras, entram as espetadas de várias carnes desde o frango, magumba assada até aos chouriços.
O carro logo ao sair do parque, o cobrador avisa: “melhor não mexer os telefones e fechar as janelas”. Enquanto o cobrador fala uma moça é arrancada o telefone. Pela velocidade da luz que o assalto ocorreu, ela nem acredita no que aconteceu. Para uns dez segundos. Nesse tempo o ladrão está a um passeio do local do roubo. “Roubaram-me o telefone” grita a menina desesperada. Não há nada a fazer. O ladrão como um camaleão vestiu a cor de um inocente. Ninguém é capaz de o identificar. Mas também com o medo que todo mundo sente ninguém se arrisca a perder a vida com os guadjissas de Xiquelene.
Assim o dia passa. As pessoas se trocam, mas as peripécias de Xiquelene continuam a fazer estórias nas novelas da vida da gente. Não há como acabar com isto. É assim como o sistema funciona desde quando nasci. Os problemas desse mercado são estruturais. Já tem barba branca. Desta forma terminam as peripécias de Xiquele.



segunda-feira, 5 de maio de 2014

O DILEMA DO ATENDIMENTO EM HOSPITAIS PÚBLICOS NA PELE DA PESSOA AMADA


Pessoas aguardando na fila do hospital

Acordei no alvorecer do dia para poder passar do hospital ver a minha amada e ajuda-la a aguardar o atendimento no hospital. Nisto, já a dois dias, acordava as quatro da manhã para filar naqueles bancos insólitos esperando que lhe extraíssem o dente. Nos últimos dois dias foi mandada voltar para casa, pois, havia excedido o número de senhas para consultas e extração de dentes. Depois destes dois dias de agonia, ela fez o TPC de casa. Acordou as duas da madrugada, o que acabou conferindo-lhe o sexto lugar no atendimento. Entretanto, não a pude acompanhar, pois, estava moribundo de sono e ela havia falado que estaria na companhia da mãe e dos irmãos, o que de certa forma me inibia de participar no acompanhamento.
Passando do hospital antes de ir ao serviço tive que fazer uma ginástica tremenda para poder localiza-la, porque aquele cenário amargurado e deplorável parecia uma daquelas cenas que a gente sô vê nas novelas e nas telas de cinema retratando o surto de uma epidemia ou de um campo de concentração.
O dilema do hospital público, o preço de ser pobre, a consequência de não ter um plano de saúde. Pessoas estateladas no chão como formigas, outras deslizando nas paredes como se fossem galagalas. Contemplei rostos tristes e amargurados lamentando o mau atendimento e a demora. Senti um peso na alma como se fosse o causador daquela situação. Parecia que podia tornar-me um médico e atender aquela chuva de gente. Enfim, encontrei a minha parceira, depois de um pouco de conversa e umas pequenas piadinhas para dissipar o semblante triste no seu rosto, despedi-a no momento em que começaram a chamar as pessoas para o atendimento. Espantou-me quando no último momento o bilheteiro saiu e disse: “só vou distribuir senhas para quinze pessoas apenas. O resto vem amanhã. Não quero ninguém a perseguir-me, acho que fui claro”. Aquelas quinze pessoas não chegavam a contagem do número total dos dedos de um ser humano, se comparado com a massa total de gente que estava ali a espera do bilhete. Parecia que estava a anunciar a mágoa que estava por vir.
Passado o dia, a minha parceira mandou-me um bip, o que retornei no momento. Falou-me de ter conseguido extrair o dente, mas, o restante não consegue ouvir por causa do telefone que usava. Isso fez com que passasse da sua casa para ouvir em viva voz o que entrava no meu ouvido com perturbações tecnológicas. Logo ao chegar me abraçou, olhou no meu olho de forma fixa e começou a contemplar-me. Não falou durante um bom instante, até que de repente quebrou o silêncio “te amo mor”. Apertei-a profundamente como se já tivesse ouvido a tristeza que me queria contar através do silêncio que reinava em nós.
Finalmente abriu a boca mais uma vez, bebeu o ar e deixou sair um monte de palavras compostas de mágoas e tristezas. “ Sabe, ela me apertou, pôs-me anestesia do outro lado da boca e nem era o lado onde estava a doer. Eu avisei-a que não era ali. Nem por isso parou, tirou-me o dente a sangue frio, girou a cadeira comigo. Sabe, gritei até todo mundo que estava no hospital ouvir. Enquanto eu dizia não é ai onde estas a anestesiar, ela dizia que sempre trabalhava da mesma forma. As pessoas que estavam comigo na bicha diziam que ela era muito chata, mas eu ganhei coragem e pensei que elas queriam assustar-me apenas” enquanto ela falava, apertava-a cada vez mais como se pudesse tirar aquela dor de si para dentro de mim.
Depois de um tempo voltamos no silêncio das palavras. Comecei a sentir algo estranho dentro de mim, os pés a desfalecer, os braços a minguar, senti o ar a escassear-se, o que fez com que suspendesse a respiração de modo a fazer um equilíbrio para não desmaiar. Tentava acima de tudo mostrar-me confiante e forte para não parecer que eu fosse o doente. De novo começou a falar “Para mim ela devia trabalhar no matadouro.” Olhando-me fixamente fez uma declaração que me deixava cada vez mais chocado “Deviam dar-lhe cabeças de gado para treinar com elas e não humanos. Para mim, aquilo foi como se tivesse para morrer, não gostaria de lembrar daquele episodio na minha vida. Mas fazer mais como? Fará parte das minhas lembranças. No vazio do dente extraído irei sentir o vazio da alma que ela tinha. Não sei como aceitam com que pessoas assim trabalhem nos hospitais com seres humanos. Aquela senhora é uma assassina, ela devia sentir uma vez na vida aquilo que eu senti. Era como se tivesse a puxar a minha alma através do dente. É isso ai você Filipe.”
Essa foi uma das poucas vezes que eu me encontrei demasiado. Depois de tudo, vim-me embora para casa conversando comigo mesmo. Não conseguia ouvir-me. Era como se a dor tivesse a bloquear a minha voz, como se o meu corpo não quisesse sentir o que a alma experimentava.
Portanto, não esperem nenhuma conclusão nesta história pois ela nunca teve fim, continuo a sentir a mesma dor até hoje. Não há como separar isso de mim, parece a cicatriz do umbigo que só desaparece quando o corpo da gente se decompõe.


Histórias de Frederico com seu gato





A minha gata é bastante amorosa. Quando digo “minha gata”, refiro-me a aquele animal peludo, com dois dentes caninos bem pontiagudos, com unhas bem afiadas e que na maioria das vezes gosta de um petisco de rato. Para esta gata a que me refiro, não gostaria que fosse intendida como um simples animal, que come restos de ossos que a gente traz quando vai a uma festinha de amigos ou quando comemos carapau e nos cansamos de mastigar a espinha dorsal. A minha gata é especial, é sensual, é glamorosa e cheia de charme.
A minha relação com ela é bastante calórica. “A gente” partilha muitas emoções. Quando estou triste ou dalguma forma preocupado, ela nota, olha no meu olho e naquele momento comunica comigo. Passa-me alguma mensagem. Ela desafia a ciência que diz que entre o ser humano e os gatos não há comunicação porque não usam a mesma linguagem. Todavia, eu e minha gatinha nos comunicamos.
Quando volto do serviço, ela me recebe volteando os pés e corre diretamente para a porta como se tivesse as chaves da dependência. Logo, quando abro a porta do quarto, é a primeira a entrar. É como se tivesse a inspecionar se alguém teria entrado e mexido nos nossos pertences. Logo depois, senta-se na estufada e começa a assistir a televisão.
Nos dias em que volto cedo da escola e ainda me sobra algum tempinho para tomar banho e relaxar um no quarto, depois do banho ela vem e senta ao meu lado migalhando carrinhos. Dai, começo a passar a mão na sua cabeça e aproveito para pensar na minha vida. Como forma de retribuir o carrinho que lhe passo, começa a dosear-me com massagem localizada durante um tempinho. Apos isso, começa a me lamber como se tivesse a lavar – me.
Por estas e outras coisas posso afirmar que a minha amiga gata é muito especial. Até a minha parceira (namorada) tem ciúmes da gatinha. Quando ela chega (a gatinha), a minha parceira manda-a sair.
-Este é meu tempo, o teu já passou- Fala para a gatinha
É sempre bom ter um animal de estimação, ele é o companheiro que nunca trai. Preocupo-me em saber que ainda há pessoas que castigam animais, deixam-nos dormir ao relento sem o que cobrir nem que comer.
Kikikikikikikikikiki (rindo), até neste exato momento em que passo estas linhas, ela está comigo fazendo o carrinho que venho relatando.