segunda-feira, 19 de maio de 2014

As peripécias do Mercado Xiquelene



O dia nasce acompanhando o Mercado. Um vaivém de pessoas. Aqui a luz brota tarde. Os comerciantes mais adiantados que o próprio dia arrumam as suas bancas para conquistar a clientela madrugadora. As mamanas, de um lado esforçam as suas cordas vocais entoando canções de esperança e sacrifício chamando a sua freguesia. Tem um outro que talheia a carne comendo um pão e badjia que chamam as moscas. Cego de ver, ele junta o seu matabicho com a petiscada da mosca. Aqui as pessoas não ficam doentes. Mesmo mijando naquele poste de aço e betão que acabou cedendo aos ácidos mais destruidores que derivam do corpo humano, vulgo xixi.
Tem outro tipo que canta como se fosse um sapo tentando acasalar a sua amada “ A murhi wa makondlo hi lohu” (O veneno de rato está aqui.) -vai cantando. Vão desculpar-me pela tradução. Sou uma das últimas pessoas que menos pode se indicar para fazer uma tradução deste tipo de escritos. Não fui ensinado na escola, tive que fazer os meus apanhados. Lá dentro, nas entranhas do mercado encontras de tudo, desde xicalamidade (roupa usada) até ao remedio tradicional como vula vatleca que outrora era usado nos torneiros de futebol da zona. Há quem diga que dava efeito na hora do jogo. Cá comigo não sei, tenho minhas dúvidas.
O barrulho nestas bandas do mercado é intenso. Tem que se estar preparado para qualquer eventualidade. De repente, ouve-se alguém a chorar “me roubaram dinheiro ”-grita uma das senhoras. Uma multidão se concentra para averiguar o que aconteceu e por outra obter alguma coisa para contar lá na povoação de origem. Um jovem é pego “hi yena lwei” acusa uma voz comparada a de um Perú. Pontapeadas, sovadas, chineladas, até makofadas servem para drenar a fúria e não ter vendido nada abaixo de sol para o outro vir roubar a custo zero. “Yowe, yowe” Chora um acusado que pode ser inocente. Basta usar uma roupa não organizada para vestir o rótulo de um ladrão. Nesse instante, chega a polícia. Alastra o homem para uma esquina atrás das bancas de pau, é subornada, por fim o homem é solto e desaparece como a fumaça inimiga do vento. A polícia a solta como cães rafeiros continua a farejar encrencas para ver se apanha um osso de cada dia.
A noite chega. A luz despede-se. O mercado veste-se de uma nova cortina humana repleta de sangue novo. As recentes profissões começam a ganhar espaço. No lugar das verduras, entram as espetadas de várias carnes desde o frango, magumba assada até aos chouriços.
O carro logo ao sair do parque, o cobrador avisa: “melhor não mexer os telefones e fechar as janelas”. Enquanto o cobrador fala uma moça é arrancada o telefone. Pela velocidade da luz que o assalto ocorreu, ela nem acredita no que aconteceu. Para uns dez segundos. Nesse tempo o ladrão está a um passeio do local do roubo. “Roubaram-me o telefone” grita a menina desesperada. Não há nada a fazer. O ladrão como um camaleão vestiu a cor de um inocente. Ninguém é capaz de o identificar. Mas também com o medo que todo mundo sente ninguém se arrisca a perder a vida com os guadjissas de Xiquelene.
Assim o dia passa. As pessoas se trocam, mas as peripécias de Xiquelene continuam a fazer estórias nas novelas da vida da gente. Não há como acabar com isto. É assim como o sistema funciona desde quando nasci. Os problemas desse mercado são estruturais. Já tem barba branca. Desta forma terminam as peripécias de Xiquele.



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