quarta-feira, 16 de julho de 2014

O dia em quase me arrependia de ter saído com os meus colegas



Estava tudo acordado entre a classe. A gente ia passar o final de semestre numa das barracas da família do Sérgio naquelas bandas do jardim. Estava ansioso para que aquela data chegasse. Já não aguentava com a carga de trabalhos que nos tem dado na faculdade. Peguei no telefone, liguei para o Zerito.
-A que Wilson, como está a ideia de hoje mais logo?- falava-lhe num tom bastante animado.
-Está aposto deixa ligar para o Carlos de modo a saber se ele já está preparado também – respondeu.
Aguardei mais um tempo o sinal do Zerito. Até que ligou dando a resposta de que tanto Carlos como os outros colegas concordaram que iria ser naquele dia e na mesma barraca acordada. Entretanto, a Sarita queria curtir um pouco mais por isso estava contra a ideia. Havia proposto uma esquina por si conhecida e que fica abarrotada de gente até o sol beijar a costa do indico depois do reinado da lua. Todavia, não havia como contrapor a ideia das massas. Acabou entrando no barco.
Despeguei do serviço eram dezoito e alguma coisa. Nem reparei no relógio, não queria confirmar a vergonha de ter atrasado.” Seja o que for, vou apanhar no terreno “ eram os únicos pensamentos que consolavam a minha mente. Graças a Deus e a minha própria sorte o primeiro chapa que chegou na paragem estava vazio de gente. Apanhei-o, havia um lugar a frente para sentar, também, com aquele atraso qualquer recurso contava. Acreditava tolamente que sentando a frente iria chegar mais rápido ao meu destino. Desci do carro, não sabia ao certo em que barraca os meus colegas estariam sentados. Meti a mão no bolso com cuidado, controlando os movimentos das pessoas ao redor já que aquela zona é famosa por roubos.
-toum, toum, toum,-o meu telefone chamava enquanto aguardava que o Zerito pegasse no seu e me atendesse de modo a dar as coordenadas corretas da sua localização.
-Alo Wilson, estas aonde?- atendeu-me com uma pergunta.
-Estou aqui numa barraca amarela que desenharam duas garrafas- respondi.
-Ok vou sair até a estrada, vou levantar a mão para que tu me vejas.
Segui todas as instruções que ele me dava cautelosamente para não perder-me. Dito e feito comecei a vê-lo de longe apesar de estar embebedado pela multidão. Nas sextas-feiras todo mundo vai à rua comemorar o tal famoso “dia do homem”. O alcancei, por fim, apertei a sua mão e dirigiu-me ao local onde o resto do pessoal estava. Girei a cabeça em torno dos que ali estavam e vi que ainda faltavam dois colegas que prometeram estar connosco a comemorar aquele momento.
-Boa noite pessoal, tudo bem?- saudei a todos.
-Boa Wilson- reponderam em consonância.
Peguei a primeira cadeira que se mostrava vazia e sentei. Não houve salamaleques, nem cerimónia de abertura. Antes de me aperceber. Todo mundo estava já a beber e a mandar as carnes para vir à mesa. Outros estavam já nas danças. Eu também entrei na onda.
-Vás beber o que? – Dirigiu-me a palavra, o Zacarias que estava do meu lado.
-Sumo santal, se não há, prefiro água mineral….
Antes de terminar a Cidália intersectou-me a palavra.
-Aqui onde nós estamos, beber sumo? Isso não se faz, nem sei o que você vem fazer aqui. Nem parece homem- começou a atacar-me com palavras grosseiras.- Mesmo eu que sou mulher estou a beber. Tens que mudar mano, não estas a ver que estas a meter vergonha a todos que aqui estão…- Continuou a falar sem parar.
Nesse momento intersectou-a o Victor, quem tem sido um dos colegas mais cautelosos na fala em todo o grupo.
-Deixa o jovem numa boa, a pessoa não deve ser obrigada a beber.
Na verdade, o mártir começa por ai. Apesar do apoio que recebi do Victor, apercebi-me que o restante do pessoal ainda olhava-me com desconfiança. Parecia que todos deixaram de me conhecer. Comecei a sentir-me estranho entre conhecidos. Faz dois anos que estudamos juntos e só hoje descobriram a minha verdadeira face. Comecei a me esconder em torno de mim mesmo, com medo de que ia perder a posição que havia ocupado no seio do grupo. Era o “Déjà vu” da história da minha existência. Senti o “meu eu” a encolher, a ser reduzido a nada. Contudo, precisava ser mais forte, ou eu ou eles. Tinham que aprender a me aceitar do jeito como sou. Comecei a tecer-lhes o sermão:
-Sabe, o facto de não beber não faz de mim ser ou deixar de ser homem. Posso ser homem sem beber. Há demais, ninguém é obrigado a beber. Porque se acho que a bebida não me faz bem, posso simplesmente não beber. Ninguém é obrigado a ser aquilo não é. Por outro lado, cada um de nós deve escolher ser aquilo que quer ser. O resto do pessoal tem que nos aceitar do jeito que somos. Até se formos a ver, posso ter curtido mais o momento do que vocês que beberam. Contei várias histórias, dancei e fiz muita coisa. Muito de vocês não vai fazer isso. Temos despir esses preconceitos porque ao meu entender em nada ajudam.
Foram quase quinze minutos a mi ouvirem. Pude ver no brilho dos seus olhos e nos momentos em que acenavam as cabeças que estavam a sentir aquilo que eu falava a lhes entranhar as suas cabeças. No final, quando terminei de falar todos levantaram-se, bateram as palmas como se de um comício se tratasse. A Cidália que era a pior opositora a que mais água deitava para baixar a minha estima, veio me dar um abraço e uma lágrima jorrou dela.
Sem que a gente notasse, a lua já se ia deitar e chamava o sol para ocupar o seu lugar de modo a dar-nos energia para revigorar as forças. Subi no carro de Zacarias, já que os colegas que tinham carros se tinham repartido por aqueles que não o tinham. Naquele dia fui para casa com a certeza de ter feito o meu papel. Apesar de ser difícil posso considerar que consegui.

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