segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Carta de Adeus à querida Evangelina


“Escrevo esta carta com um rio de lágrimas minguando dos olhos, lembrando de tudo o que a gente passou e das esquinas indelevelmente gravadas na memória do reviver. Me recordo das tuas mãos angelicais forjadas pela deusa do amor acariciando o meu rosto redondo. Da tua voz fina que se confunde com a calma daquele lago onde a gente deu o primeiro beijo. Juro que apenas conheci o verdadeiro amor quando olhei nos teus olhos e vi a inocência pura em mim perdida, jamais encontrada nas miúdas desta época mergulhada nas vicissitudes vulgares. Nunca te revelei, mas hoje através desta carta posso me abrir por completo. Na verdade te conheci desde pequena. Quando tinhas oito anos e eu doze. Jurei me reservar para ti. As vezes te via passando da minha rua com a sua irmã, imaginava em ti a mulher adulta que eu queria ter para toda a vida. Aquela que juntos, velhinhos, rodeados pelos bisnetos iríamos contar historias de tempos longínquos. O tempo foi passando. Aquele sentimento miúdo começou a ganhar músculos. No primeiro dia em que te abordei, senti os meus pés a desfalecerem. As mãos trémulas. A voz enrouquecida denunciando o nervosismo que me caracterizava, apesar do esforço para disfarçar. Esperta que eras, descobriste tudo e sorriste inocentemente! O meu mundo ficou maravilhado. As portas do meu coração fizeram deslizar uma enorme carga de energia quando estiquei a mão para te cumprimentar como manda a tradição da nossa igreja.Todos finais de semana ficava no quintal da minha casa, porque sabia que dali passarias em direcção à casa da sua amada avó, onde fizemos florescer a nossa amizade. Na adolescência, as vezes te ouvia a cantar aquelas músicas românticas brasileiras roubando o meu coração inteiro. A sua voz penetrava em mim como um cântico matinal de um rouxinol afinado, desvirginando a madrugada nua e frigida. O nosso primeiro beijo foi como uma história de novela, um autêntico conto de fadas. Fiz-te parar naquela esquina, te confessei mil juras de amor. Falei de como o céu era lindo, que o longínquo azul era agradável e que tudo isso combinava contigo. Falei de como as estrelas cintilantes cortejavam o amor que florescia em nós. Te falei que no universo não há nenhuma criatura que congrega tanta beleza do que o seu rosto angelical. Sussurrei no seu ouvido palavras belas e perfumadas. Tu, desajeitada te fazias perder nas palavras tão doces que manavam da minha boca como um rio que nasce nas montanhas se precipitando no lago tão belo que lembra o paraíso. Olhei nos teus olhos, vi a combustão do amor queimando dentro da sua pupila. Intensifiquei as palavras delirantes até te perderes por completo. Sem forças, tentei te roubar um beijo de amor. Atenciosa como és, te apercebeste e me apartaste. Juro que me senti constrangido por te querer beijar sem permissão, apesar de ver que tudo em ti receava aquele sincero beijo. Me recompus, vesti os bons modos. “Peço te dar um beijo nos lábios”- pedi delicadamente, e tu achando que te havia pedido nas bochechas respondeste - sim. Logo que viste que me dirigia à sua boca, do seu jeito feminino, respondeste “não, não, não.” Fiquei envergonhado, desnorteado, sem saber que serenata iria entoar para si. Uma nuvem de melancolia me abalou. A boca que delicadamente sorrira se fechou. O rosto apaixonado ficou esquisito como se fossem banquinhos amontoados. Vendo a confusão que me criaste, trataste de remediar o erro. Disseste sim. Nesse momento dei-te um beijo melado, demorado e sincero. Te apertei como se fosse quebrar as suas costelas, fiz drenar todo o amor que tinha por ti. Começamos a namorar.O tempo foi passando, o nosso amor foi se fortalecendo. Pena que nem todos gostavam de nos ver juntos, mesmo a sua própria família. Comecei a acreditar no ditado que fiz “a felicidade custa caro”. Várias pessoas vinham te dizer coisa com coisa, mas nem com isso tu deixavas de acreditar em mim e o tempo foi passando como se fosse um corrosivo, apesar das maravilhas que vivíamos. Até o dia em que aquela sua perversa amiga me avassalou com um beijou a força, apesar de a ter negado e das tentativas frustradas de fazer com que te traísse. Da última vez ela foi tão forte e perspicaz. Justo no momento em que tu chegavas enquanto a empurrava para se afastar de mim. Despercebido me roubou um beijo. E tu não quiseste ouvir nenhuma explicação. Tapaste o meu sol. Nunca mais me quiseste ver. Tentei me redimir de todas as formas, mas não consegui destrancar o seu coração e dentro da minha mente só tu é que vives e mais ninguém. Passa hoje dois anos e trinta e cinco dias de sofrimento, de angústia, de choro por estares longe de mim. Tu que és o ar que eu respiro. Quando tu te foste meu mundo fico poluído. Agora te vejo com o Tomaje, o meu eterno rival que mesmo sabendo que estavas comigo, não deixava de te conquistar. Meu coração se satura e só não enfarta para continuar a sofrer pelo pecado que não cometi.Cansei de chorar lágrimas de sangue. Estou convencido de que já mais te terei. Acredito na justiça dos céus por isso, vou me juntar com Deus para te aguardar porque sei que depois de veres esta carta poderás enxergar que tudo era verdade.Nunca te trai. Adeus meu amor.”Esta carta foi encontrada dentro de um guarda-roupa, escondido dentro de um punhado de romances de amor, em 1976 num prédio abandonado, na baixa da cidade. Ficou para atrás quando muitos portugueses saíram do país temendo o advento da independência e a passagem do poder para maioria negra moçambicana. Tendo sido reunida a informação através de jornais e de testemunhas que dizem ter conhecido o jovem que escreveu a carta sem revelar o seu próprio nome, revelam que a fatídica historia terá acontecido de verdade. Varias notícias da imprensa daquela época referem que a jovem Evangelina depois de ter tido a carta nas suas mãos e lido o seu conteúdo terá se suicidado onde o namorado morrera. Mito ou verdade, mas o facto é que algumas pessoas dizem que a amiga da Evangelina depois de ver o que teria provocado, decidiu tirar a sua vida no lago, onde o casal desta historia se encontrava nas noites de lua cheia para gozar os prazeres de baixo. (Esta historia é uma invenção. Qualquer aproximação a realidade é uma pura extensão de coincidências)

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