segunda-feira, 28 de julho de 2014

Uma Lição No Chapa


Uma coisa extraordinária aconteceu hoje na história da minha vida. O sucedido faz parte do capítulo do pesadelo dos transportes em Maputo. Contudo, é um daqueles momentos que deixam algum ensinamento na vida de quem está preparado para aprender queira onde for que seja, não importando se é num chapa ou num “My Love” ou “plasma” e ainda “ver Moçambique”, (camião que transporta pessoas agarradas umas as outras como se fossem namorados/das) dependendo muito do nome que qualquer um decida usar.
Sei que vocês são pessoas bem ocupadas e só se dão o tempo de ler o que escrevo por solidariedade ou por lambisbotagem. Me perdoem os ouvidos alheios. Esta parte não era para eles. Todavia, não me preocupo. Se as palavras que aqui emprego são alheias para si é porque as palavras antes ditas te ficam. Basta lembrar do ditado que diz “Palavras alheias, aos ouvidos alheios”. Perdão pelo salamaleque. Mas sabem como é essa coisa de iniciar a falar das coisas. As vezes têm que se dar voltas apenas para arranjar uma forma de chamar a atenção das pessoas que leem o que a gente escreve.
Ocorre que estava naquelas bandas da malhangalene a espera de um carro que me levasse à casa. Eis que por sorte ou por azar, já que nunca existe um carro vazio em Maputo. Aparece a minha frente um chapa (de carro, não de construção) que tinha dois assentos a sua frente, um lugar de motorista e outro para um passageiro. No meio do mesmo, havia um espacinho para encaixar uma pessoa como um vietikong. Ou melhor, daquelas pessoas que se fossem ratos encaixavam bem em qualquer buraco. Portanto, me foi formulado um convite pelo cobrador para ocupar aquele espaço por conta do meu tamanho. Aceitei, também o meu tamanho ajuda. Ser baixinho em algumas partes do corpo é uma vantagem (tenho outras cumpridas, claro) até um certo ponto como nesta situação. Adentrei-me no mesmo.
O xapa andou alguma distância. Chegado a paragem Saul a senhora que havia sentado ao lado do motorista eis que desce. Com isso, era do meu direito ocupar o seu lugar. No entanto, um senhor de óculos, que aparenta estar na casa dos sessenta, estatura mediana e uma pele que denunciava cansaço, quis entrar. Viu que não tinha espaço para ele poder sentar, pois eu havia ocupado, e, por isso afastou-se. Nesse mesmo momento, apercebi-me dessa situação e, portanto, o convidei a entrar: “entra senhor, eu desço aqui perto e posso apertar- me aqui em cima.” O senhor entrou.
-Obrigado meu filho
Agradeceu-me com uma cara visivelmente emocionada e surpreendia. Pude ler na sua face que não estava habituado a receber este tipo de comportamento com relação aos jovens.
-De nada- respondi-o, agradecendo
Enquanto o chapa andava, abriu-se um espaço entre nós para se refletir em torno do comportamento dos jovens e da sociedade de hoje.
-Sabe é muito preocupante a actitude dos jovens e da sociedade nos dias que correm. Cada um de nos pensa apenas em si, não há preocupação pelos outros. – Argumentou o senhor.
- É verdade o que o senhor está a dizer, contudo, não são todos os jovens. Há muitos outros que querem contribuir dando um pouco de si para que a nossa sociedade melhore em termos de valores, e, por outro lado dissipar esse preconceito de que todos os jovens são iguais.
Sem que pudesse notar, o carro me havia levado até ao destino que pretendia chegar. Por isso, chamei o cobrador para que deixasse-me na minha paragem
- Cobrador, fico na esquina do compone.
- Está bem passageiro- respondeu o jovem cobrador - dinheiro?- avançou ainda
Logo aprontei-me em meter a mão no bolso de modo a tirar as moedas e deixar na sua mão os sete meticais do dia-a-dia deles. Enquanto isso, o senhor, amigo passageiro como eu, aquele que durante a viagem esteve a refletir comigo, mais uma vez deixou a língua beber o ar fraseando palavras à minha direção.
- Podes deixar jovem, vou pagar por si.
Sabem que por estas terras negar um presente é sinal de desrespeito. Por essa razão, não tive como negar. Aceitei o presente oferecido. Agradeci-o e me despedi. Enquanto assim fazia, mais uma vez dirigiu-me a palavra deixando uma recomendação que dura até ao dia de hoje: “Nunca deixe esse coração”. Enquanto me preparava para responder, o motorista do veículo arrancou sem antes agradecer a recomendação do velho senhor. No lugar do chapa ficou uma fumaça negra que dissipava-se aos poucos enquanto na minha tristeza de ver tentava alcançar a vista do carro. Embalei-me cheio de esperança e a alma nutrida de energias positivas que me deram forças suficientes para registar aquele episódio nobre na história da minha vida.

 

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